quarta-feira, 24 de junho de 2009

ZINE Nº001

Cruspian@,


Você acha suficiente que, da verba que recebe do Estado, a USP destine menos de 1% para a assistência estudantil? (Pois é, o ex-secretário estadual de Ensino Superior José Aristodemo Pinotti acha que sim!)

Entre bolsas Cansou de ter que enfrentar sozinho a boa disposição das assistentes sociais da COSEAS com relação as suas “supérfluas” necessidades como moradia e alimentação?

Quer saber como é possível que um sobrinho de deputado tenha conseguido uma vaga no CRUSP por meio de uma simples “carta de favor”, enquanto você teve que reunir documentos nos quatro cantos do universo para atestar sua pobreza?

Cansou de observar que, enquanto tudo isso acontece, a Associação de Moradores vira espaço apenas para Teoterapia (vide cartazes de auto- ajuda) e condicionamento físico (vide “Halteres e Anilhas no Crusp”, seja lá o que for isso)?

- Pronto! Trabalhamos o corpo e o espírito... Nossa vida está plena.



Sobre a função da Associação de Moradores no CRUSP

Na tentativa de chegar a uma definição comum do que seria a AMORCRUSP, recolhemos informações com moradores e hóspedes. Eis o que pudemos destacar dentre estas opiniões:

A associação é vista hoje, por muitos, como órgão administrativo, mera prestadora de serviços ou espaço para festas, alguns moradores não sabem que a AMORCRUSP é independente da COSEAS e/ou da reitoria, tendo inclusive receita própria, oriunda do aluguel dos espaços. E isso quando há algum conhecimento da existência da associação.

Mas essa aparência atual do que é a Associação não corresponde ao que vem sendo construído historicamente como seu papel. Tentando superar a superfície oca que a burocracia cotidiana nos apresenta, resolvemos ir mais a fundo nessa questão.

Para você que acha que a moradia no CRUSP é uma dádiva da mãe COSEAS, algumas histórias a se contar:



Um pouco da história de resistência cruspiana

Os sete prédios do CRUSP que conhecemos hoje são parte de um projeto que construiu 10 blocos para abrigar os atletas dos Jogos Panamericanos e, posteriormente, servir para moradia estudantil. Em 1963, quando os prédios já se encontravam vazios, a reitoria tenta impedir que eles se destinem a este fim. Diante disso, os estudantes se organizam e “invadem”, inicialmente, noventa dos apartamentos. Assim começa a história da nossa moradia, com a ação direta dos estudantes organizados para exigir um direito que a burocracia universitária nunca, nunca mesmo, se dispôs a atender por conta própria.

Logo em seguida a esta primeira ocupação, é criado o ISSU (Instituto de Serviço Social da USP), que passa a gerir a moradia e baixa uma Portaria dividindo os blocos por sexo e proibindo os beijos nos corredores e outras atitudes “imorais”. Nessa época ainda não existia uma associação no CRUSP, mas sim um Colegiado de Representantes, cujas reuniões incluíam sempre, além dos representantes dos moradores, um representante do ISSU. Ou seja, toda manifestação dos estudantes nas reuniões passava pelo conhecimento e pelo voto do representante do ISSU. Isso, isso, isso! Issu mesmu...


Em abril de 1967 os estudantes conseguem pôr um fim a essa situação criando a AURK- Associação Universitária Rafael Kauan (nome dado em homenagem a um dos integrantes do movimento iniciado em 63, morto três meses após a primeira ocupação, em um “acidente” misterioso). Fortalecida sua organização, anulam a intervenção do ISSU e realizam uma série de ações, dentre elas: a quebra da divisão por sexo, a ocupação de apartamentos vagos em blocos reservados para professores, ocupação da reitoria durante inquérito contra um estudante, ocupação da sede do ISSU para atear fogo a arquivos de fichas disciplinares de alguns moradores. A moradia passa a ser autogerida. A AURK também atua na luta contra a Ditadura e contra as Reformas no Ensino originadas nos acordos MEC/USAID (acordo entre Brasil e EUA que, entre outras coisas, instituiu o vestibular classificatório nas Universidades públicas. Isso não te parece familiar?). Sedes de entidades do movimento estudantil se localizam então no térreo do bloco G, o CRUSP é local de assembléias e congressos dos estudantes paulistas.


Em dezembro de 1968 (nas férias...) a Polícia

invade o CRUSP interrogando e expulsando todo

s os moradores dentre os quais muitos foram presos. Alguns prédios se tornam “esqueletos”, tendo sido quebradas todas as suas paredes, dois são demolidos, outros são invadidos pela reitoria, por museus e por órgãos burocráticos da universidade, um deles se torna hotel.

Só em 1979 se forma um movimento pela reocupação do CRUSP, que inicialmente toma dois andares e vai crescendo, tomando novos blocos entre 1981 e 83. A reitoria, como sempre, além de se negar a destinar verbas à manutenção dos prédios, chama constantemente a polícia para tentar conter as ocupações. Mas as suas “bondosas” tentativas, desta vez são em vão, pois o CRUSP está forte, autônomo e organizado.

Em 1984, dois estudantes brigam e caem do 4º andar junto com um tapume de madeira da parede que estava podre, a oportunidade que o “Grande Irmão” esperava: a reitoria, que seria responsável por destinar verbas para a manutenção do prédio, não o fazia, ao invés disso, atribui a responsabilidade aos estudantes (o problema era a briga por um pedaço de bolo?) e ameaça forçar a desocupação de todos os blocos após o incidente. Além disso, cria um órgão para gerir a Assistência Estudantil: a Coordenadoria de Assistência Social – COSEAS (nasce nossa querida mãe). Os estudantes se mobilizam, e nesse momento criam a Associação de Moradores do CRUSP (a AMORCRUSP, nossa hoje conhecida sede das sessões de auto-ajuda...) para tornar mais forte a organização e impedir a desocupação dos prédios. Conseguem impedir a ação da reitoria. Estabelece-se, então, um acordo que incluía algumas precárias reformas e a desocupação de um dos blocos.

Não tendo conseguido por fim ao “covil dos subversivos”, a reitoria, através da COSEAS, resolve exercer maior controle sobre o espaço: muitos moradores considerados “irregulares” e todo e qualquer integrante do movimento “punk” (pessoas que tiveram participação fundamental no movimento de reocupação) são expulsos do CRUSP pela polícia. A nova arma contra o CRUSP então, nesse momento “pós ditatorial”, se torna a imprensa. Pois é... é aí que surgem aquelas famosas alcunhas de “vagabundo”, “traficante”, “morador de pombal”, “louco”, “promíscuo”, “puta”, “marginal”, “morador da favelinha da USP”, e outros apelidinhos carinhosos dos quais você já deve ter sido sutilmente chamado...

Na década de 90, fica claro que a política de exclusão não se restringe aos “irregulares”, agora os moradores oficiais também terão de suar a camisa. Assim, em 1996, a COSEAS tenta outorgar a exigência meritocrática do cumprimento de 80% dos créditos “ideais” como critério para a permanência na moradia. Os moradores ocupam a sede da COSEAS após uma Assembléia no CRUSP contra essa imposição (aí é que foi encontrada, entre outros documentos incríveis, aquela carta do deputado da qual falávamos no início do texto).

Depois disso,(se você correu, correu e não chegou a lugar algum), bem vindo ao século 21! Num período de greve, os moradores famintos saqueiam o bandejão (e, aliás, estão sendo processados até hoje). Por isso, podemos atualmente contar com o “auxílio” da COSEAS em nos fornecer os alimentos crus nesses períodos.

Ainda nessa primeira década do século, os moradores do CRUSP saquearam uma festa da Nokia em protesto à privatização da universidade. Na ocasião, pretendiam-se firmar acordos como o financiamento de um projeto de construção de uma ponte entre a USP e o Shopping Villa Lobos - con$truçõe$ megalomaníaca$ se mo$tram hi$toricamente indi$pen$ávei$ para o de$vio de verba$ pública$ e para o e$tabelecimento de dependência de órgão$ público$ em relação ao capital privado. Típica de nossos dias, a privatização do espaço público também avança pela USP. De fundações privadas agindo nas unidades até bancos que se aproveitam da brecha deixada pela COSEAS e pela reitoria na assistência estudantil, vemos aumentar cada vez mais o peso dos interesses de grupos particulares frente aos objetivos específicos da universidade pública. Logo no Portão 1 temos um “belo” letreiro “USP, apoio Santander”; ao entrarmos na Internet, temos o wifi da Nokia; e a praça do relógio, com seu exagero de concreto, “patrocinada pelo Banco Real”. Mas apesar da força dos interesses econômicos parecerem dominantes, a indignação coletiva consegue ainda atrapalhar, como foi no caso da festa da Nokia e, posteriormente, na ocupação de um espaço localizado nas Colméias, que foi utilizado e abandonado pelo banco Real. Neste local, atualmente, se encontra instalada a CCInt, mais um órgão burocrático, conseguimos recuperar o espaço para a USP, mas, dessa vez, não alcançamos nossa reivindicação que era a criação de um espaço cultural cruspiano ali.

Já que falamos em privatização, não custa lembrar que a COSEAS está em processo de “cessão” de espaço do CRUSP para o Santander. Você já viu aquelas salinhas fechadas no térreo do Bloco G? Então... o departamento de manutenção passou a funcionar no bloco B para ceder espaço para eles, que gentis! Todos os órgãos que a USP não sabe onde enfiar... quer enfiar no CRUSP! (IEB, Curso de Ciências Moleculares, LISA, e o já citado CCInt). A COSEAS diz que precisa conter gastos quando impede as ligações para celular nos telefones da portaria dos blocos, mas não economiza nada em reformas para deixar bonitinhas as salas que entregam aos bancos.

Os problemas presentes e futuros estão gritando para entrar no texto, mas, para fechar esta pequena cronologia cruspiana: em 2007, como muitos sabem, a reitoria da USP foi ocupada por estudantes e trabalhadores. A Associação de Moradores também atuou neste processo, de onde saíram os acordos para construção de dois novos blocos, a abertura do bandejão aos domingos, a circulação de um microônibus no Campus nos finais de semana. A reitoria está fazendo corpo-mole para cumprir os acordos firmados, segundo eles os dois novos blocos já deveriam estar prontos. .(Ah! E agora é só um viu).



E agora, José?

Voltando a nossa fraternal discussão sobre a teoterapia e a função da Associação de Moradores...

Os poucos direitos que temos nos aparecem atualmente como favores, servindo, as vezes, para calar nossas bocas, são como pequenas porções de ilusão (- Ora, se tenho meu quartinho, comida, telefone e até Wireless! vou reclamar de quê?). Mas fica claro, a partir desse recorte histórico, que não é exatamente a “mãe COSEAS” a criadora dos “benefícios” relacionados à assistência estudantil, e que nada nos foi nem é dado de bom grado pela USP, já que não interessa para os catedráticos do poder que os pobres tenham condições de estudar. Moradia, bandejão, bolsas, todos esses direitos nós conquistamos com auto-organização, ocupações, ateamento de fogo, enfrentamento à instituições. A Associação de Moradores surgiu e atuou historicamente nesse processo de lutas. Mas, hoje, num momento em que se apontam mais e mais perdas de direitos, a gestão da AMORCRUSP tem feito nada mais do que tentar restringir o espaço a um pequeno grupo de pessoas associadas que teriam o direito de “usufruir de serviços”, isso justifica, na concepção deles, comprar aparelhos para ginástica com dinheiro da entidade sem passar por Assembléia, assinar embaixo da cobrança de diárias dos estudantes ingressantes na USP nos alojamentos do Cepê, entre outras coisas. Diante de problemas como: as expulsões de moradores através de processos injustificáveis, o estabelecimento de critérios meritocráticos e disciplinares para a permanência na moradia, a falta de vagas, a privatização do espaço público, a cobrança pelos alojamentos, a extinção da bolsa-trabalho, sem uma substituição satisfatória, e sem que ninguém sabe para onde foi o dinheiro, a insuficiência das verbas destinadas às políticas de permanência, o incentivo institucional ao conformismo e ao isolamento, ao apagamento da nossa história, o desvio das questões políticas e sociais para questões “existenciais”, o desenvolvimento de uma visão estigmatizada e preconceituosa em relação ao morador do CRUSP, a exemplo da última matéria veiculada no Jornal do Campus, entre tantos outros problemas...E diante da negligência da tal entidade que nos “representa” com relação a eles... Você vai “ficar aí parado, com essa cara de veado que viu caxinguelê”?

2 comentários:

  1. Parabéns a aroeira. Agora o que vocês acham de usarmos este espaço ou criarmos um especifico para discussões relativas à vivencia no crusp (higiene, conservação, vagas ociosas, ocupação irregular, direito e deveres de quem faz festas, etc).
    Obrigado, Aluisio - bloco D
    PS Fica aqui a minha dica já que nem todos tem tempo para estar presentes nas assembléias

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  2. Onde le vivência, leia convivência

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